Por Dra.Vanessa Albuquerque
No universo digital, a velocidade com que informações circulam é assustadora. Em segundos, um vídeo publicado por um influenciador pode alcançar milhões de pessoas, impulsionar vendas de um produto ou, na mesma medida, arranhar a imagem de uma marca. Esse cenário coloca uma questão cada vez mais relevante: afinal, influenciadores digitais podem usar marcas sem autorização?
Minha resposta é: depende. E aqui está justamente a riqueza do tema. Não existe uma fórmula única, porque cada caso envolve intenções, formatos e contextos distintos. O que existe são princípios jurídicos, regulatórios e éticos que ajudam a balizar as condutas.
Quero compartilhar minha visão, apoiada não apenas no Direito da Propriedade Industrial, mas também na experiência prática de quem acompanha diariamente a construção e a proteção de marcas.
Se há contrato entre marca e influenciador, a resposta parece óbvia: o uso da marca é permitido. Mas a obviedade não elimina os riscos. Ao contrário, ela reforça a importância de cláusulas claras, porque a associação entre marca e pessoa é sempre uma via de mão dupla.
Pense comigo: ao contratar um influenciador, a empresa não leva apenas audiência, mas também reputação. O estilo de vida, as opiniões e até os deslizes daquele indivíduo passam a reverberar sobre a marca que ele representa. É por isso que os contratos devem ir muito além do valor do cachê e da entrega de posts.
Cláusulas de conduta, de preservação da imagem, de alinhamento de discurso e até de possibilidade de rescisão em casos de polêmicas graves são fundamentais. Afinal, basta um episódio de incoerência para que a credibilidade da campanha desmorone.
Um exemplo simples: imagine um influenciador que se declara vegetariano e é contratado para divulgar uma linha de alimentos plant-based. Se, dias depois, ele é flagrado em uma churrascaria, o público se sentirá enganado. A frustração recairá não apenas sobre a pessoa, mas também sobre a marca que se associou a ela.
Em um mercado onde o consumidor está cada vez mais atento e crítico, contratos bem estruturados são ferramentas de proteção recíproca.
Outro aspecto essencial é o cumprimento das normas do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). Muita gente pensa que as redes sociais estão fora desse escopo, mas não estão.
As regras de publicidade também se aplicam às campanhas digitais. Isso significa, por exemplo, que influenciadores de maquiagem não podem usar filtros que alterem os efeitos do produto, sob pena de enganar o consumidor. Propagandas enganosas, ainda que feitas em stories de 15 segundos, podem ser alvo de processos administrativos e resultar em punições para a marca.
O Conar, inclusive, possui uma cartilha específica para influenciadores, com recomendações claras sobre boas práticas. Ignorar essas diretrizes é colocar em risco não apenas a imagem do criador de conteúdo, mas também a da empresa que o contratou.
Em resumo: não é porque estamos falando de redes sociais que podemos abrir mão do briefing detalhado, da coerência e da responsabilidade. Influência não é improviso.
Agora entramos em um terreno mais delicado. Se não há contrato, o influenciador pode falar de uma marca?
A resposta é: sim, pode, mas com nuances importantes.
Um exemplo interessante, discutido recentemente em um evento da Associação Brasileira da Propriedade Industrial (ABPI), é o fenômeno chamado “DUPE” (abreviação de duplicate, ou “duplicado”).
Funciona assim: um influenciador apresenta um produto mais barato como alternativa a outro mais caro e sofisticado, fazendo uma publicidade comparativa espontânea. Em regra, não existe vedação legal para isso, desde que não haja má-fé nem indução ao erro.
O consumidor, ao comprar o “dupe”, sabe que está adquirindo um produto mais acessível, e não o “original”. Ou seja, há uma corrente de entendimento que menciona que não há engano sobre a natureza do bem. Nesse caso, não se caracteriza concorrência desleal.
É discutido a forma como a marca comparada reage. Responder de maneira agressiva pode gerar antipatia. Já adotar uma postura estratégica — como agradecer a lembrança e destacar os diferenciais que justificam o preço, como tecnologia, pesquisa e inovação — pode até fortalecer a reputação da empresa.
Em outras palavras há entendimentos que o risco não está apenas no que o influenciador faz, mas também em como a marca responde.
É claro que nem todo uso espontâneo é inofensivo. Existe uma linha tênue entre a liberdade de expressão e o uso indevido da marca.
Um influenciador pode, por exemplo, dizer que não gostou de determinado produto. Isso é legítimo, faz parte da opinião pessoal. O que ele não pode é usar logotipos, símbolos ou narrativas enganosas de forma reiterada para depreciar uma marca de maneira desleal.
A má-fé é sempre um fator decisivo. Quando fica claro que a intenção não é opinar, mas denegrir ou lucrar explorando a reputação alheia, a Justiça tende a reconhecer o abuso.
Daí a importância de analisar cada caso individualmente. Não há regra absoluta. O que existe são parâmetros de bom senso, cautela e proporcionalidade.
As empresas, por sua vez, precisam adotar uma visão madura sobre esse cenário. Nem toda menção espontânea merece um processo. Muitas vezes, um conteúdo viral positivo nasce sem qualquer autorização, e pode ser uma oportunidade de aproximação com novos públicos.
A estratégia deve ser dupla:
Marcas que aprendem a dialogar com influenciadores e consumidores, em vez de apenas reagir de forma punitiva, constroem relações mais sólidas e positivas.
Mais do que riscos jurídicos, o maior impacto do uso indevido de marcas por influenciadores está na reputação.
Quando o público é confundido sobre parcerias, quando uma marca é associada a valores distorcidos ou quando uma incoerência é exposta, o dano pode ser irreversível. E não há tribunal que consiga restituir a confiança perdida.
Marcas são patrimônios intangíveis. Influenciadores, da mesma forma, são marcas pessoais. Ambos devem zelar pelo mesmo ativo: a credibilidade.
Eu sempre gosto de usar uma analogia simples: a marca é como o nome de um filho. Quando escolhemos e registramos esse nome, fazemos isso com amor, propósito e intenção de futuro.
Agora imagine alguém usar esse nome sem permissão, para se promover ou se aproveitar da reputação que você construiu. Seria inaceitável. É exatamente assim que uma empresa se sente quando sua marca é explorada indevidamente.
Não se trata de exagero jurídico, mas de proteção emocional e estratégica. Defender uma marca é defender sua identidade.
Voltamos então à pergunta inicial: influenciadores digitais podem usar marcas sem autorização?
Sim, podem — desde que haja bom senso, transparência e ausência de má-fé. Mas isso não significa ausência de riscos. O que deve prevalecer é a análise caso a caso, considerando:
No fim das contas, o que está em jogo não é apenas a legalidade, mas a confiança. E confiança, tanto para empresas quanto para criadores, é o ativo mais precioso e mais frágil do mercado digital.
Por isso, minha recomendação é clara: contratos bem elaborados, briefings detalhados, respeito às normas do Conar, monitoramento constante e diálogo estratégico. Essa é a combinação que protege marcas e profissionaliza influenciadores.
Porque, no fim, influência é poder. E todo poder exige responsabilidade.
Que este debate sirva como alerta para influenciadores, que precisam compreender os limites do seu alcance, e para empresas, que devem aprender a enxergar a influência não apenas como ferramenta de vendas, mas como extensão da própria identidade. A era digital é veloz, mas as marcas que sobrevivem são aquelas que equilibram criatividade com ética, espontaneidade com responsabilidade e marketing com verdade.