Por Dra. Vanessa Albuquerque
Quando converso com líderes de empresas, percebo uma inquietação comum: como manter a organização competitiva em um mercado que se transforma todos os dias? A resposta costuma vir acompanhada de palavras como inovação, diferenciação, tecnologia, criatividade, estratégia. Mas há um ponto que muitas vezes fica de fora — e que deveria estar no topo da lista: a propriedade intelectual.
Se há algo que define o valor de uma empresa hoje, é a sua capacidade de transformar ideias em ativos intangíveis, capazes de gerar resultados, atrair investimentos e garantir longevidade. E é justamente aqui que entra a propriedade intelectual.
Há quem veja a propriedade intelectual apenas como uma obrigação legal, um registro a ser cumprido, uma etapa burocrática. Essa visão é limitada. A propriedade intelectual é, na verdade, um dos pilares estratégicos do negócio.
Uma empresa vive de ideias. E ideias, quando estruturadas e formalizadas, se transformam em ativos capazes de diferenciar uma organização da concorrência.
Pense em um contrato de desenvolvimento de produto. Se ele não contempla cláusulas de sigilo, de propriedade dos resultados, de melhoria contínua, a empresa corre o risco de ver anos de pesquisa escorrerem pelas mãos. Pense em um software criado internamente: a quem pertence esse código? Ao colaborador que o desenvolveu ou à empresa que o contratou? Essa resposta não pode ficar no campo da dúvida — precisa estar amparada por um arcabouço jurídico sólido, feito de contratos, acordos de confidencialidade (NDAs), registros e estratégias de proteção.
Quando olhamos dessa forma, percebemos que a propriedade intelectual não é apenas um detalhe jurídico. Ela é o alicerce da segurança e da credibilidade. Sem isso, nenhuma inovação se sustenta.
Por que, então, esse tema deve estar na pauta estratégica do CEO — e não apenas na mesa do jurídico ou do departamento de P&D?
Porque o CEO é o guardião da visão de longo prazo. É ele quem precisa garantir que cada passo da empresa construa valor e consolide diferenciais competitivos. E valor, hoje, está cada vez mais ligado ao que não aparece nos balanços tradicionais.
As marcas mais valiosas do mundo — Apple, Google, Amazon, Microsoft — não têm seus maiores ativos em máquinas ou estoques. Seu valor está nos intangíveis: tecnologia, software, design, marcas, identidade, inovação. O mesmo vale para empresas brasileiras de diferentes portes: uma startup de biotecnologia, uma fintech ou até mesmo um pequeno negócio criativo. Todos, em maior ou menor medida, dependem da proteção de sua propriedade intelectual.
O papel do CEO é garantir que esses ativos não fiquem vulneráveis. Que estejam mapeados, registrados, defendidos. Porque no dia em que surgir uma rodada de investimento, um aporte ou uma negociação estratégica, será isso que o mercado analisará: o quanto a empresa protege o que tem de mais valioso.
Não é exagero dizer que a propriedade intelectual é uma das chaves para destravar investimentos. Um fundo de venture capital ou um investidor-anjo não coloca recursos em uma empresa que não protege seus ativos. Afinal, sem essa proteção, qualquer concorrente poderia copiar a ideia e corroer o valor do negócio em meses.
O mesmo vale para empresas consolidadas que buscam expansão. Uma companhia que chega a um novo mercado sem registrar suas marcas corre o risco de perder território para oportunistas. Já vimos inúmeros casos em que marcas brasileiras, ao internacionalizarem suas operações, descobriram que seus nomes já estavam registrados por terceiros no exterior — um prejuízo imenso, que poderia ter sido evitado com planejamento estratégico de propriedade intelectual.
A credibilidade também está em jogo. Um CEO que se apresenta ao mercado mostrando que sua empresa leva a sério a proteção de suas criações transmite solidez. É como se dissesse: “Não apenas criamos algo valioso, como também cuidamos disso para que ninguém nos copie ou dilua nossa identidade”.
Muitos executivos ainda acreditam que propriedade intelectual é assunto exclusivo de tecnologia ou de branding. Nada mais equivocado.
Todos os departamentos de uma empresa lidam, diariamente, com propriedade intelectual:
Ignorar isso é colocar não apenas a gestão em risco, mas também a sobrevivência da empresa.
É importante falar sobre os riscos de negligenciar esse tema.
Esses riscos não são hipotéticos. Estão acontecendo todos os dias, com empresas de todos os portes.
Ao organizar a agenda de um CEO, poderíamos listar dez grandes prioridades: finanças, expansão, gestão de pessoas, ESG, inovação, tecnologia, clientes, riscos, cultura organizacional… Mas, entre todas essas, defendo que a propriedade intelectual está entre os três primeiros tópicos que devem ser tratados com atenção.
Porque ela permeia todos os outros.
A propriedade intelectual não é um detalhe burocrático. É uma estratégia de liderança.
Ao escolher o nome de um filho, nenhum pai ou mãe age de forma leviana. Pensa-se na sonoridade, no significado, na herança que esse nome carregará por toda a vida. O mesmo deveria valer para os ativos intangíveis de uma empresa. Eles são, em muitos casos, o que permanecerá quando os produtos mudarem, quando os ciclos de mercado passarem.
Proteger propriedade intelectual é escolher dar nome, identidade e futuro ao que se cria. É reconhecer que a inteligência, a criatividade e a inovação brasileiras são dignas de segurança e valorização.
E cabe ao CEO assumir esse papel. Porque, no fim das contas, são as decisões de hoje que definem se a empresa será apenas mais uma no mercado — ou se será uma marca que atravessará gerações, consolidando seu legado.
Portanto, se tivesse que resumir em uma frase, diria: a propriedade intelectual é o patrimônio invisível que sustenta o visível. E nenhum CEO pode se dar ao luxo de ignorar isso.
De nada adianta buscar crescimento acelerado, abrir novas unidades ou captar milhões em investimentos se a base que sustenta esse crescimento não está protegida. O verdadeiro diferencial competitivo não está apenas em quanto se vende, mas em quanto se protege do que foi construído.
É por isso que afirmo: a propriedade intelectual precisa estar, sim, entre os três principais pontos da pauta estratégica de qualquer CEO. Porque ela é, em última instância, a ponte entre criatividade e legado, entre inovação e permanência, entre negócio e história.